Matéria extensa porém muito interessante sobre o "tocador" de CD, antes inacreditável, hoje irrelevante.
"Ele revolucionou as indústrias da música e da informática, mas foi atropelado
pela Internet e está a caminho de se tornar irrelevante"
Em 1º de Outubro de 1982 a Sony iniciou a revolução do áudio digital com o
lançamento no Japão do CDP-101. Era o primeiro reprodutor comercial de “Compact
Discs”, os populares CDs. Foi o nascimento de uma nova mídia que prometia áudio
cristalino a uma geração de consumidores acostumados com os estalos e chiado
analógico dos discos de vinil.
O aparelho da Sony, que custava US$ 674 (cerca de US$ 1609, ajustando a
inflação), foi lançado com um conjunto de 50 álbuns, nos gêneros Clássico e Pop,
publicados pela CBS Records. Nomes como Mozart, Tchaikovsky e Schubert dividiram
as prateleiras com artistas mais modernos como Billy Joel, Pink Floyd e Journey.
Cada disco custava entre US$ 14 e US$ 15.25 (entre US$ 33 e 36 na cotação
atual), com os discos de música clássica sendo os mais caros.
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Sony CDP-101, o primeiro CD Player |
Os críticos esperavam que a cara mídia fosse relegada aos audiófilos e
consumidores mais abastados, mas os criadores do CD viram sua obra cumprir a
missão que lhe foi designada: superar o “Long Play” (LP) como a mídia favorita
para áudio doméstico - algo que conseguiu apenas cinco anos mais tarde.
O futuro em um disco
Ao longo de sua primeira década no mercado o Compact Disc representou, para
muitos consumidores, um elo palpável com o futuro. Ele combinava duas
tecnologias de ponta, o laser e o computador, em um produto de custo
relativamente baixo com recursos que seriam inimagináveis uma década antes.
Após a primeira demonstração em 1960, especialistas declararam o laser como
sendo uma das maiores invenções da indústria de alta tecnologia. A idéia de um
feixe coerente de luz superconcentrada despertava o interesse do público, e a
mídia frequentemente retratava a tecnologia como sendo o caminho para um
potencial “raio da morte”.
Embora o laser tenha eventualmente encontrado seu nicho como uma ferramenta
nas telecomunicações e ciência da informação, alguns pesquisadores diziam que
ele era uma solução em busca de um problema. Era impressionante, com certeza,
mas não tinha um uso prático aparente.
E então surge o Compact Disc, que armazena áudio em sulcos microscópicos
gravados na superfície de um disco metalizado, que são lidos por um player
usando a luz refletida de um laser. Em virtude do estonteante sucesso do formato
de áudio, os CDs passaram a representar a vitória suprema do laser, tanto como
invenção quanto como produto comercial.
A mesma coisa aconteceu com a tecnologia digital. Em 1984, um ano após a
estréia do CD nos EUA, apenas 7.9% dos lares norte-americanos tinham
computadores pessoais, de acordo com um estudo da Universidade da Califórnia em
Irvine. Os consoles de videogame chegaram antes, mas sua penetração no mercado
era limitada em comparação a aparelhos de áudio como rádios e toca-discos.
Para muitos norte-americanos, o Compact Disc foi o primeiro produto da “era
do computador” que adquiriram. Para o consumidor comum, ele representou o
nascimento da era digital.
O nascimento de uma nova mídia
De acordo com Hans Peek, um dos engenheiros que projetaram o Compact Disc, o
formato foi resultado da frustração com os discos de vinil. Eles arranhavam com
facilidade e quanto mais tocados mais se desgastavam, tornando a qualidade do
áudio pior com o passar do tempo. E eles eram grandes, impedindo a redução no
tamanho dos players.
Em 1972 a Philips demonstrou uma nova mídia doméstica, o disco óptico para
vídeo, que batizou de Video Long Play (VLP). Ela surgiu como fruto de anos de
pesquisa por uma forma de levar vídeo doméstico para as massas. Discos VLP se
pareciam com CDs grandes, mas armazenavam áudio e vídeo de forma analógica. Mais
tarde este formato viria a ser conhecido como LaserDisc.
Quando os engenheiros da Philips decidiram criar um substituto para o vinil
em 1974, basearam seus esforços na tecnologia já desenvolvida para o VLP. A
idéia era criar um disco óptico de grande diâmetro para música, chamado Audio
Long Play (ALP).
Devido a limitações da mídia, engenheiros da Philips descobriram que áudio
gravado de forma analógica em um disco óptico era propenso a “cortes” e perda de
fidelidade. Então decidiram substituí-lo por um sinal de áudio digital -
principalmente porque sabiam que com as rotinas matemáticas adequadas para
correção de erro, poderiam mascarar quaisquer imperfeições na reprodução do
áudio. De acordo com Peek, a decisão de usar meios digitais para correção de
erros foi a verdadeira inovação do Compact Disc.
Ao longo dos anos seguintes o ALP encolheu até um disco de 11.5 cm que
poderia armazenar 60 minutos de áudio em estéreo. Não muito tempo depois a
Philips decidiu mudar o nome do projeto para Compact Disc, uma referência ao seu
bem sucedido Compact Cassette, mais conhecido pelo nome popular de “Fita
K7”.
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Joop Sinjou, líder da equipe que desenvolveu o CD, apresenta sua
criação à imprensa |
Em 8 de Março de 1979 a Philips organizou uma coletiva de imprensa onde os
jornalistas tiveram sua primeira amostra da música digital. A resposta foi
entusiástica, mas a Philips conseguia sentir os gigantes asiáticos dos
eletrônicos se aproximando. Um punhado de empresas japonesas já haviam
demonstrado seus protótipos de discos digitais de áudio alguns anos antes, e a
Philips sabia que precisaria de um parceiro na Ásia para transformar seu formato
em um sucesso.
A Philips apresentou o CD e a oferta de uma potencial parceria a várias
companhias japonesas, e para sua felicidade a Sony aceitou, se comprometendo a
ajudar a refinar o padrão e prometendo desenvolver uma linha de CD Players.
Ao longo do ano seguinte a Philips e a Sony acertaram os detalhes de seu
plano. O tamanho do disco foi mudado para 12 cm devido à insistência da Sony de
que ele fosse capaz de armazenar 74 minutos de áudio - a duração da famosa
“Sinfonia Nº 9 em D Menor” de Beethoven. Curiosamente, as empresas basearam o
diâmetro do buraco no centro do disco no tamanho de uma moeda holandesa de 10
centavos.
Em junho de 1980 a Sony e a Philips anunciaram a definição do padrão para o
CD de áudio, e convidaram várias outras empresas de eletrônicos a licenciar a
tecnologia e se juntar elas. Muitas concordaram.
Toda a indústria de eletrônicos passou os dois anos seguintes em uma louca
corrida para reduzir o tamanho da tecnologia necessária para um CD Player a algo
que coubesse dentro do gabinete de um sistema de Hi-Fi. A Sony foi a primeira a
lançar seu modelo, e em seis meses já havia 10 outros no mercado.
A vida como um disco de áudio
Imediatamente após o lançamento a imprensa especializada elogiou o Compact
Disc por sua incrível clareza, ampla faixa dinâmica e relação favorável entre o
sinal e o ruído. Enquanto isso, os “audiófilos” mais ferrenhos se agarravam aos
seus discos de vinil, declarando a morte da música “de qualidade”.
Estes detratores - e eram surpreendentemente poucos - baseavam seus protestos
em um apelo emocional, contrastando o analógico e o digital, o homem contra a
máquina. O áudio analógico era visto como “quente” e amigável, inerentemente
humano, enquanto os zeros e uns do sistema digital representavam a frieza de um
robô.
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Brochura da Sony exaltando as virtudes do CD |
Mas para o consumidor a qualidade do áudio dos CDs falou por si mesma, e foi
só uma questão de tempo e preço até que o formato fosse aceito pelas massas - e
então se tornasse a mídia favorita para áudio. Em 1988 os CDs venderam mais que
os discos de vinil pela primeira vez, e eles superaram as Fitas K7 em 1992.
Neste ponto um CD Player custava drasticamente menos do que em 1982, e os CDs
ganharam a conveniência de ser também uma plataforma de áudio portátil. No
início dos anos 90 mais e mais automóveis traziam um CD player como item de
série (o primeiro modelo para carros foi apresentado pela Sony em 1984) e
players portáteis ganharam proteção contra “pulos” e maior autonomia de
bateria.
Os artistas amaram o CD. Desde o começo elogiaram sua habilidade de
reproduzir uma cópia-mestre de estúdio com exatidão, bit a bit, sem perda de
qualidade.
Não demorou muito para que a indústria dos eletrônicos visse o potencial dos
CDs como mais do que apenas um veículo para música. As empresas fizeram
experiências com imagens estáticas (CD+G), híbridos com video analógico e áudio
digital (CD Video), vídeo puramente digital (Video CD), elementos interativos,
(CD-i), armazenamento de fotos (Photo CD) e mais.
Ao longo do caminho, a Sony e a Philips pareciam ansiosas para atender à cada
necessidade com um novo padrão. Mas o derivado mais importante veio da
capacidade dos CDs de armazenar dados digitais. Enormes quantidades deles.
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Um CD-i da Philips. Música, vídeo, jogos e
interatividade Crédito: Evan-Amos / Wikimedia Commons
(CC-BY-SA) |
A vida como CD-ROM
Quando o CD de áudio chegou ao mercado, a imprensa naturalmente viu a
invenção por um ângulo prático: como uma mídia pequena e durável para áudio
perfeito. Mas os engenheiros da computação olharam para a mesma tecnologia e
viram um disco de 12 cm que poderia armazenar 6.3 bilhões de bits de
informação.
Quase que imediatamente, meia dúzia de empresas começaram uma corrida para
reaproveitar o CD como uma mídia para armazenamento de dados. O motivo: em 1982
um disquete dupla-face padrão para o PC armazenava 360 kilobytes, ou cerca de
2.6 milhões de bits. Uma conta rápida mostra que um único CD teria, em teoria,
espaço suficiente para o equivalente a 2390 disquetes, assumindo que todos os
bits fossem usados para armazenamento, e nenhum para correção de erros.
Protótipos de leitores de CD ligados a computadores, criados empresas
especializadas em mídia para computadores, apareceram já no final de 1983 e
continuaram a surgir em 1984. A Sony e a Philips reconheceram uma potencial
“guerra de formatos” em formação e decidiram criar um padrão oficial, que foi
batizado de CD-ROM (de “Compact Disc Read Only Memory”, ou “Disco Compacto com
Memória Somente para Leitura”).
O padrão CD-ROM destina alguns bits extras para correção de erros, o que
consumiu um pouco do espaço, mas ainda deixou amplos 650 MB por disco. Em 1985
os primeiros drives de CD-ROM comerciais apareceram no mercado, ainda voltados a
um público especializado, mas a pergunta era: o que as pessoas irão fazer com
todo esse espaço? O uso natural da tecnologia do CD-ROM envolvia o armazenamento
de qualquer tipo de informação que normalmente ocuparia grossos volumes se
impressa. Bancos de dados governamentais, médicos e demográficos constituiam os
primeiros discos lançados em 1985, e as enciclopédias surgiram não muito tempo
depois.
No início, usar um CD-ROM como mídia para distribuir programas de computador
não era uma idéia popular. Afinal de contas, quem poderia justificar o custo de
produção de um CD com capacidade de 650 MB para armazenar um programa de 200 Kb?
A resposta era a distribuição “em massa”. Uma organização de Sunnyvale, na
Califórnia, chamada PC Special Interest Group foi uma das primeiras a distribuir
software em CD, lançando em 1986 um disco que continha 4 mil programas de
domínio público ou shareware. Incrivelmente, essa coleção ocupava apenas um
sexto da capacidade total do disco.
Da mesma forma, a promessa de uso do CD-ROM como veículo para imagens ou
vídeo digitais não se tornou realidade até que os sistemas gráficos dos
computadores usados pelos consumidores fossem rápidos e capazes de exibir cores
o suficiente para tirar proveito de todo o espaço nos discos.
Isso aconteceu no começo dos anos 90, dando início à era da “multimídia”. O
jogo de aventura Myst (1993), para Macs foi o primeiro grande sucesso da mídia.
Consoles de videogame começaram a usar CD-ROMs como principal (ou única) forma
de armazenar jogos também nesta época. Na verdade, o primeiro drive surgiu como
um acessório para o PC-Engine, da NEC, em 1988. Combinados a um sistema gráfico
sofisticado, os CD-ROM permitiram que a Sony, com seu PlayStation, rapidamente
roubasse da Nintendo o título de rainha dos consoles.
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The Manhole, da Activision (1989). O primeiro jogo distribuído em
CD-ROM |
No final dos anos 90 os programas de computador “incharam” e os preços dos
drives de CD-ROM despecaram, abrindo caminho para que o CD se tornasse a forma
mais popular para distribuição de software.
E não podemos nos esquecer do papel do CD-R, que nasceu em 1989 como um
produto de nicho extremamente caro e, uma década mais tarde, se tornou uma forma
rápida e fácil de mover dados entre computadores e de copiar música.
Com o tempo o CD-ROM foi superado em capacidade pelo DVD-ROM e outras mídias
ópticas, e sua popularidade se esvaneceu. Mas a invenção que realmente matou o
CD-ROM como a forma mais popular de distribuição de software não tem tamanho ou
formato. Ironicamente, foi a mesma invenção que está matando o CD de áudio: a
Internet.
O fim do CD
Em retrospectiva, está claro que a natureza digital do CD formou a base para
sua destruição. Ao convencer as gravadoras a digitalizar dezenas de milhares de
álbuns e distribuí-los sem nenhum sistema de proteção contra cópia, os
arquitetos do CD abriram as portas para a controvérsia sobre o compartilhamento
de arquivos no início dos anos 2000.
Mas os engenheiros que criaram o CD não tinham como saber que um dia seria
possível armazenar o equivalente a milhares de CDs de música no bolso de trás da
calça, ou disparar os dados contidos neles para o outro lado do mundo em alguns
minutos.
O nascimento dos métodos para “ripar” CDs e compartilhar os arquivos mostra
que, durante todo o tempo, o disco em si era irrelevante. Eram os dados contidos
nele que importavam. A informação quer ser livre, e no final da década de 90 o
áudio digital descobriu como escapar da gaiola. Computadores mais poderosos
libertaram a música dos CDs de áudio e a colocaram em uma mídia mais flexível:
mídia nenhuma.
Atualmente, com amplo espaço para armazenamento e largura de banda, a música
digital pode viver em HDs e memória flash, e fluir de um computador para o
próximo graças a redes sem fio e à Internet. Cada vez mais, a música vive em
servidores remotos em terras distantes, esperando para ser transmitida para o
smartphone ou notebook de um usuário.
O que nos leva a um ponto que muitos ignoram: em seu auge, o Compact Disc era
valorizado não só como um meio para armazenamento de informação, mas também como
um poderoso método para transferência de dados. Durante décadas, o CD foi a
forma mais eficiente que os consumidores tinham para levar grandes quantidades
de dados rapidamente para casa, muito mais rápido que baixar os 650 MB de música
ou software através de qualquer conexão de rede primitiva que estivesse
disponível na época.
Mas hoje temos redes ultra rápidas e espaço em disco de sobra, o que torna os
dois melhores aspectos do CD obsoletos. Portanto, seu valor diminuiu
drasticamente.
No momento, o CD ainda se mantém como a mídia física mais popular para
música, e sempre será assim, já que ele é o último de sua espécie. Em 2011 o
volume de vendas de músicas em formato digital superou a mídia física pela
primeira vez. A música está à solta, e não quer voltar para sua cela.
30 anos depois, o Compact Disc pode estar no fim da vida. Ainda assim, com
seu brilho iridescente e microscópica mágica digital, para muitos ele ainda
parece ser um artefato do futuro.