Na década de 1950, época em que estávamos mais para sinal de fumaça do que de internet, ter informação era um privilégio. E uma das formas mais acessíveis de saber das coisas à época era por meio de publicações impressas como jornais e revistas.
As revistas especializadas foram importantíssimas naquele período. O Rock explodiu pelo mundo nos anos 1950 e, mesmo não repercutindo no Brasil com a mesma velocidade, já era abordado em nossas revistas culturais.
Algumas publicações notabilizaram-se pelas duras críticas à “rebeldia” que o Rock trazia, sugerindo até mesmo o boicote ao “ritmo”. Mas com a consagração de inúmeros artistas e bandas junto ao grande público, esse ponto de vista de avós católicos teve vida curta. Já aquelas revistas que valorizaram o gênero musical encontraram um público cheio de energia e sedento de informação. Assim, no decorrer das décadas, uma legião de roqueiros brasileiros conheceu ou lapidou conhecimento por meio de publicações como as revistas Pop, Bizz, Rock Brigade e Top Rock.
Top Rock Nº 7, minha primeira revista de Rock |
Sobre a Top Rock, ela surgiu em abril de 1992 e teve 27 edições publicadas (dados da internet), além de edições especiais. Sou suspeito pra falar dessa publicação, pois tenho um carinho especial por ela (foi minha primeira revista “comprada”) mas hoje tenho um ótimo motivo para isso: o bate-papo que tive com Mark Ament, tradutor e editor da Top Rock em boa parte da existência da publicação.
Sem mais delongas, segue a conversa:
A Top Rock foi seu primeiro trabalho como tradutor?
A Top Rock foi meu primeiro trabalho fixo como tradutor. Eu já tinha feito alguns freelas como tradutor, mas foi lá que dei início à minha carreira de tradutor e intérprete em tempo integral. As entrevistas que eu fazia foram a semente para o meu interesse em interpretação simultânea.
Você comentou que inicialmente traduzia as matérias no “papel e caneta”. Fazer uma revista de Rock no país do carnaval durante os anos 1990 era algo, digamos, heroico?
Na época era bem difícil, sim. Faltava muito material, principalmente imagens. Mas nós tínhamos acordos com várias revistas e reproduzíamos material traduzido e imagens delas na Top Rock. Na verdade, eu comecei traduzindo na caneta e papel porque era um digitador muito lento. Tinha alguma experiência em máquina de escrever, mas catava milho! Um dia meu irmão me comentou que tinha um programa que ensinava a digitar com todos os dedos. Eu conversei com o chefe na revista, e ele acabou aceitando providenciar um computador para mim. Aí, no meu tempo livre (depois do expediente e no horário do almoço), eu fazia o curso de digitação e usava o micro durante o expediente. Acabei aprendendo a digitar bem com o programa.
Trazer uma revista pra casa, esmiuçar seu conteúdo e ainda botar um pôster na parede era algo sensacional para os jovens de outrora. Você concorda que a facilidade do acesso à informação nos dias de hoje, embora democrática, seja algo sem graça?
Acho que a curadoria que era providenciada pela editora (responsável pelo material divulgado) dava mais valor para a notícia e as informações. Hoje em dia, qualquer um pode publicar qualquer coisa, sem nenhuma responsabilidade pelo que é dito. Acho que isso resulta nos tais “fatos alternativos” que vemos hoje em dia. Acho que a “democracia” que você menciona estava presente na época das revistas em papel – se a revista não vendesse, ela saía do mercado. Os leitores tinham o direito de escolha. Hoje em dia, ficou até difícil diferenciar o que é notícia e o que é ficção.
Você também trabalhou como entrevistador na Top Rock. Como era o processo para se entrevistar astros do Rock numa época em que a tecnologia era mínima?
Era bem divertido! A editora tinha um aparelho que você ligava no telefone para gravar. Eu tinha que abrir a tomada do telefone, juntar os fios do dispositivo aos do telefone, aparafusar, montar a tomada novamente, ligar o telefone na tomada, e plugar o aparelho no gravador. Aí era só ligar e apertar o botãozinho vermelho do gravador quando a pessoa estivesse na linha. Mas a gente também fazia muita entrevista presencial, quando os músicos vinham para o Brasil. Depois da entrevista coletiva de imprensa, de vez em quando fazíamos uma entrevista com um dos músicos da banda.
Em geral, as entrevistas rendiam um bom conteúdo ou era algo como entrevistar nossos jogadores de futebol? (risos)
As entrevistas sempre geravam conteúdo para a revista. Lembro de uma entrevista com o GLENN DANZIG em que ele foi bastante monossilábico, mas mesmo assim rolou. Já em uma entrevista com o TONY MARTIN, à época no BLACK SABBATH, eu tive que pedir para ele parar um pouco para que eu pudesse virar a fita e continuar a gravação (ele já tinha falado meia hora e a entrevista seguia!).
O que mais te marcou nas entrevistas: a decepção com superegos ou a satisfação com a humildade?
Acho que nunca tive uma entrevista que me deixasse decepcionado com os músicos. Lembro de uma entrevista muito legal com o BLIND MELON (com todos os integrantes) em que comecei dizendo para eles que não conhecia muito da banda e gostaria de falar com eles sobre sua história como um todo. Foi um bate papo muito descontraído que durou quase uma hora. A CÁSSIA ELLER também foi muito legal. Entrevistamos ela na gravadora. Eu não sabia direito quem ela era e estava aguardando em uma salinha. Aí, entrou uma pessoa de calça jeans toda rasgada, camiseta, e carregando um violão. Ela me olhou, sorriu, colocou o violão em um canto e saiu. Achei que era uma roadie! Pouco depois ela voltou com uma representante da gravadora que disse, “Mark, esta é a CÁSSIA ELLER”. Ela não pareceu ficar ofendida com o acontecido e tivemos um bate-papo bem legal.
Foram muitas! Entrevistei individualmente o MARKY RAMONE, e depois todos os RAMONES – em uma cerimônia de recebimento de disco de ouro -, o ROB HALFORD (que tinha cantado no JUDAS PRIEST, mas à época estava em uma outra banda, a FIGHT), GEOFF TATE do QUEENSRYCHE, DAVID BRYAN, tecladista do BON JOVI, ROB HIRST do MIDNIGHT OIL, GENE SIMMONS do KISS... Já se foram mais de 20 anos, então esqueci alguns!
Ocorreu alguma situação inusitada/bizarra/engraçada nos tempos da revista que você lembre ainda hoje?
A revista era um lugar muito divertido de se trabalhar! Uma das pessoas que trabalhava lá tinha o hábito de tirar a bermuda, colocar na cabeça e dizer que era um índio de cocar!!! Um dia, eu e um colega decidimos que passaríamos a chamar todas as pessoas da editora de nomes diferentes, e fizemos isso. O pessoal entrou na brincadeira e passamos a chamar uns aos outros de nomes diferentes! Eu virei Gumercindo – nome dado pelo dono da editora! Também, em um dia de certa calmaria, este mesmo colega e eu decidimos traduzir a música “Escravos de Jó” para cinco idiomas (inglês, francês, espanhol, italiano e alemão). Até hoje eu canto a música em alemão de vez em quando! Lembro também de uma vez que tivemos uma promoção que daria um prêmio para as primeiras mil cartas recebidas. Não recebemos nem 500 cartas, então tivemos que inventar uns 500 nomes de premiados!
A Top Rock parou de circular por questões de mercado ou teve outros motivos?
A revista parou de circular algum tempo depois de minha saída. O editor com quem trabalhei mais tempo decidiu sair para morar em outra cidade. Entrou outro cara, um jornalista, para ser editor da revista. Trabalhei com ele alguns meses, mas um dia consegui um emprego em uma escola de inglês, que me pagava muito melhor e dava três meses de férias por ano, então resolvi sair também. A revista parou pouco tempo depois.
Você ainda mantém contato com algum colega dos tempos da revista?
Ainda tenho contato com algumas das pessoas no LinkedIn e no Facebook.
No aspecto pessoal, por quais meios você ouve música nos dias de hoje: mídia física, mídia digital, streaming, rádio FM ou outro?
Ainda tenho um toca-discos e muitos discos de vinil. Uso de vez em quando. Também ainda uso CDs. Mas muito do que escuto está no streaming. Escuto muito Apple Music quando estou dirigindo.
Não sei se posso me chamar colecionador de LPs ou CDs. Tenho hoje uma centena de discos (a maioria de jazz e música clássica, herdados do meu pai). Mas um dos discos do meu pai, um duplo do ELVIS PRESLEY (Elvis’ 40 Greatest), me fez passar a comprar discos do ELVIS. Sempre que eu achava um disco que tivesse uma ou mais das músicas daquele disco, eu comprava. Depois de algum tempo, passei a comprar qualquer disco do ELVIS que eu achasse. Hoje tenho uns 20 vinis dele, além de uns 20 CDs! Também passei a comprar discos de muitos outros músicos, mas ELVIS foi quem me fez começar!
Aplicativos de música como Spotify e Tidal alegam disponibilizar milhões de faixas. Você acredita que os famosos algoritmos são suficientes para que os jovens descubram o bom e velho Rock OU rádios, feiras de discos e colunas especializadas ainda possuem um papel importante como consultorias musicais?
Não sei dizer sobre os jovens. Como o que eu escuto é principalmente o bom e velho rock’n’roll, sou direcionado a bandas mais antigas, mas mesmo assim, acabo descobrindo coisas muito legais de que tinha me esquecido. Recentemente passei a escutar muito BILLY JOEL, DAVID BOWIE, e também BEACH BOYS devido ao algoritmo ter me lembrado da existência deles.
Mark, agradeço por disponibilizar parte do seu precioso tempo para atender este modesto blogue. Pra fechar: se na data de hoje você pudesse sugerir cinco álbuns de Rock aos leitores, quais seriam?
Acho que 5 discos que curto demais seriam:
Iron Maiden – Maiden Japan (Uma fita K7 que ganhei e que me fez gostar de Iron Maiden)
The Beatles - Rubber Soul
Falcão – Sucessão de Sucessos que se Sucedem Sucessivamente sem Cessar (Adoro “Coração de Frango”)
Focus – Hocus Pocus
The Doors – Morrison Hotel
The Jimi Hendrix Experience – Are You Experienced? (Adicionei um sexto caso não aceite Falcão!)
5 comentários:
Parabéns pela entrevista, muito legal ver esse tipo de conteúdo, dos bastidores das revistas.
Brigadão, Sickeira! Também fiquei feliz com esse bate-papo.
Abração!
Grande Mark! Vivemos momentos hilários na edição da Top Rock. Um abraço a todos!
Parabéns pela entrevista . Muito legal !!
Obrigado! Agradeço pelo comentário. Abraço!
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